Jaiva-Dharma VII
Natureza Eterna da Alma e Existência Material
Este capítulo começa contando a história do acúmulo de bens por Candidasa e sua esposa Damayanti, que viviam em Saptagram, uma cidade mercantil, nas margens do rio Sarasvati. Seus filhos cresceram sob a influência de suas próprias convicções avarentas e tornaram-se egoístas e gananciosos. Quando adultos desejaram tomar os bens dos pais e, para tanto, aspiravam por suas mortes. Em certa ocasião, como resultado de uma confabulação que houve entre eles, decidiram sugerir uma peregrinação aos pais, para Sridhama-Navadvipa. Candidasa e Damayanti aceitaram a proposta e partiram, acompanhados de uma Vaishnavi, mas, quando chegaram a uma cidade já bem distante de sua residência, ficaram sabendo que seus filhos haviam se apossado de todos os seus bens e não permitiriam que eles voltassem mais para casa.
Desconsolados, passaram um dia inteiro chorando, até que a Vaishnavi que os acompanhava lhes falou: “Não fiquem apegados à sua casa. Vamos! Vocês podem aceitar a vida de Vaishnavas ascetas. Construam um ashram simples, onde Vaishnavas se concentram, e vivam aí. Os filhos por quem vocês sacrificaram tudo se tornaram seus inimigos, portanto, não há necessidade nenhuma de voltarem para casa”. Apesar de ainda titubearam, acabaram acedendo à proposta e construíram uma nova casa na área de Kuliya-grama. Esta cidade é conhecida como um local sagrado, onde todas as ofensas de quem lá vive são erradicadas. Candidasa em pouco tempo conseguiu juntar algum dinheiro e começou uma pequena loja. Diariamente, o casal servia a algum hóspede, e Candidasa estudava Sri Krsna Vijaya, de Gunaraja Khana.
Tornando-se extremamente honesto e hospitaleiro, passou a ser muito respeitado na região. Havia na cidade um grhastha-brahmana, chamado Yadava dasa, que fazia palestras sobre o Sri-Caitanya-mangala e que, com a esposa, se dedicava fortemente a servir os Vaishnavas. Candidasa e Damayanti sentiram-se inspirados a também o fazerem, e se aproximaram do outro casal. Um dia Candidasa perguntou a Yadava dasa, “o que é a existência material?”. Ao que o outro respondeu com um convite, para irem juntos aoashram de Sri Vaisnava dasa Babaji, que ele sabia ser extremamente erudito. Damayanti quis ir também e, apesar da dúvida que surgiu sobre leva-la, por causa da condição renunciada dos residentes daquele kunja, decidiram que ela iria, porém, a mesma não se aproximaria dos residentes.
Desta forma, solícito, este devoto começou a explicar que asjivas existem em dois estados: liberado (mukta-dasha) e em apego material (samsara-baddha-dasha). As almas liberadas são plenamente espirituais e dedicam suas vidas ao serviço de Sri Krishna (krsna-dasya). “Elas não residem neste mundo material, mas em algum dos puros mundos espirituais, como Goloka,Vaikuntha ou Vrindavana”, ele afirmou. O apego material leva às concepções de eu (ahamta) e de meu (mamata), impermanentes e irreais, porque a jiva sente o desejo de desfrutar de maya. Tal condição faz com que a pessoa se esqueça da identidade de Bhagavan e de sua própria identidade e transite entre personagens e situações, vagando através da existência material.
Quem se encontra nesse estado de consciência pode, no entanto, desenvolver os empenhos mais favoráveis à aquisição do Supremo Benefício se se associar com pessoas santas (sadhu-sanga) e se render (prapatti) a Krishna. Ele poderá se estabelecer na compreensão de seu dharma eterno, reconhecendo que se manteve afastado deliberadamente do Senhor. “A jiva então volta suas costas para maya e deseja ater Krsna”, o que é a mais profunda verdade. Só não posso aceitar que, conforme colocado no texto, “o único infalível método de cruzar a insuperável existência material é cantar krsna-nama na associação com bhaktas”, pois por realização pessoal, e segundo os Desígnios de Sri Krishna, vivenciei este método sem o conhecimento de Leis Superiores que agora posso acessar por misericórdia da Senda Alquímica. Aquela experiência por si só não me levou diretamente à condição eterna de minha alma, que agora atenho, após reaver minha Consciência Crística, por meio de um processo adicional (e complementar) ao cantar dos Santos Nomes.
Vejo que, sim, é possível cruzar a fronteira do oceano da existência material através do krsna-nama, mas, a materialidade desta Era é tão pronunciada que a mente humana não está sendo suficientemente concentrada para ater a Sri Krishna apenas com uso de tal Sagrado Subterfúgio. Por esse motivo, Bhagavan, por sua compaixão, nos doa também outras alternativas de aquisição da consciência que nos leva a Ele, além dos processos que as quatro Sampradayas Vaishnavas propagam. Afinal, como o próprio texto informa, são raras as almas liberadas e perfeitas que podem ser consideradas completamente pacíficas e exclusivamente devotadas a Sri Narayana, e somente a associação com elas pode oferecer benefícios àqueles que buscam por conhecimento transcendental. Desta forma, o cantar dos Santos Nomes pode ser comprometido por escassez de associações deste tipo no ocidente, de modo que vejo que os bhaktas de Krsna que vivem em corpos materiais, mas cujas existências são categoricamente diferentes dos materialistas, como mencionados por Ananta dasa Babaji, são excessivamente raros neste mundo, e especialmente nos países ocidentais.
O Babaji explica ainda a diferença entre grhastha-bhaktas e tyagi-bhaktas, sendo os primeiros os devotos que se casam e estabelecem lares conscientes de Deus (Krishna), e os segundos os que renunciam à vida familiar. Os grhastha-bhaktas não se deixam apegar por objetos dos sentidos mundanos e todos os membros de uma família deste tipo se aprazem em olhar para a forma da Deidade, em ouvir hari-katha e narrações das vidas de grandes sadhus. Suas narinas se satisfazem em cheirar fragrâncias de objetos oferecidos a Krsna e suas línguas em cantar krsna-nama e em saborear restos de alimentos oferecidos a Sri Krsna. Suas vidas são dedicadas a doar a mesma misericórdia para as outras jivas e ao serviço aos Vaishnavas. O grhastha-bhakta usa de objetos materiais sem se apegar a eles e seus filhos se tornam também Vaishnavas puros.
Ananta dasa Babaji comenta também atitudes de quem é destituído de necessidades materiais (nirapeksa), o que na sociedade atual significa reduzir ao máximo às necessidades, já que em geral não se consegue ser absolutamente livre das outras pessoas e das coisas deste mundo. De qualquer forma, é melhor ser o mais independente possível e usar do que é preciso para agradar a Krsna, e apenas isso. Esta é a condição de vida mais perfeita para esta Era, e mesmo um casamento deve existir com a intenção de estabelecer uma família centrada em Deus. Nessa altura da conversa, Yadava dasa pergunta quais os sintomas de um bhakta que é elegível para renunciar à vida familiar? Liberdade do desejo de se associar com o outro sexo, misericórdia irrestrita para com todos os seres viventes, indiferença à riqueza e cultivo da intenção de ter apenas o necessário (alimentos e vestimentas), amor incondicional por Sri Krishna e liberdade de apegos e aversões são os sintomas mencionados por Ananta dasa Babaji.
Então ele comenta que as vestimentas e o status oficial de renunciante para alguns bhaktas pode ser bem relevante, mas isso não é obrigatoriamente necessário para alguém que de fato renunciou à vida material por completo, exceto se houver dependência da consideração pública de tal condição do devoto. Eventualmente, mostrar-se pertencente à ordem renunciada pode se fazer necessário, a qual somente pode pertencer aquele que tiver adquirido completo controle da mente e dos sentidos. Este renunciante não deve se envolver com nenhum tipo de atividade que exija juntar dinheiro, mesmo que seja a construção de um monastério, onde se instalará a adoração a Deidades ou outros empreendimentos de grande porte. O renunciante deve viver da mendicância e morar em qualquer lugar, que pode ser inclusive uma cabana rústica ou um templo mantido por chefes de família. Percebo claramente, a partir de minhas próprias observações da vida, que, porque a construção de grandes empreendimentos exige muitos recursos monetários, este tipo de atividade tira realmente o foco da pessoa de sua renunciante pregação, que deve ser sempre modesta, desapegada, imparcial e destituída de interesses.
Yadava dasa pergunta a Candidasa se seu questionamento inicial estava respondido e ele, satisfeito, faz alguns comentários que, em síntese, demonstram que compreendera o significado verdadeiro da vida material. Os demais Vaishnavas presentes também demonstram satisfação e aclamam Ananta dasa Babaji, dizendo: “Sadhu! Sadhu!”. O kirtana se estabelece e Candidasa dança em grande êxtase. Ao saírem do kunja, Yadava dasa e Candidasa encontram Damayanti, que os esperava do lado de fora e faz um comentário bem relevante para a conclusão deste ensaio, ela diz: “Porque eu nasci como uma mulher? Se eu tivesse nascido como homem, eu teria entrado no kunja, tomado darshana das grandes almas, e me purificado colocando a poeira dos pés deles sobre minha cabeça”. Considero lamentável o tratamento diferenciado que se dá a corpos masculinos e femininos, em detrimento do fato de a alma em sua real condição liberta deter do mesmo estado liberado de consciência, independente de ser masculina ou feminina.
Postado por Sri Krishna Madhurya às 20:48 Extraído do blog: http://religiaobhagavata.blogspot.com.br/
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